A oceanóloga Iara Bueno Giacomini, da secretaria-executiva do Comitê de Bacias Hidrográficas do Litoral Norte (CBH-LN), em exposição sobre o Relatório de Situação dos Recursos Hídricos do Litoral Norte (versão 2013 / ano base 2012), fez vários alertas quanto aos riscos que ameaçam não só o patrimônio hídrico da região, mas também o potencial turístico, o ecossistema e a qualidade de vida da sociedade.
O documento, aprovado pela plenária do comitê em dezembro passado, foi analisado pela Coordenadoria de Recursos Hídrico (CRHi), da Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo, e recebeu nota 9,6 (de um teto de10), estando entre as cinco melhores notas do Estado. A atual versão do Relatório de Situação começou a ser elaborada em outubro último pelas Câmaras Técnicas de Saneamento e de Planejamento do CBH-LN. Em novembro, houve duas oficinas de trabalho, abertas ao público, para discussão de dados fornecidos pela CRHi.
A metodologia adotada para elaboração do Relatório de Situação dos Recursos Hídricos, desde 2008, utiliza indicadores nas categorias de Força-Motriz, Pressão, Estado, Impacto e Resposta (FPEIR). A Força Motriz, conforme Iara, provoca a Pressão que determina o Estado dos recursos hídricos, o qual gera Impactos positivos ou negativos, exigindo Respostas do poder público e da sociedade. “As principais forças motrizes do Litoral Norte atualmente incluem o turismo e o crescimento populacional”, explica a oceanóloga. Afirma ainda que esta é uma das regiões que mais cresce no Estado em termos populacionais.
“Dentre os 645 municípios do Estado de São Paulo, a cidade de Ilhabela ocupa a 4ª posição entre os municípios que mais crescem nestes termos”. São Sebastião ocupa a 49ª posição, Caraguatatuba 74ª e Ubatuba 130ª. “Em adição existe a população flutuante que frequenta a região ao longo de todo ano e que aumenta ainda mais na época de verão, principalmente no réveillon e carnaval”, ela completa.
Impactos
Iara oberva que nos últimos anos, a população do Litoral Norte vivencia processo de industrialização, que envolve instalações e previsões de ampliação de grandes empreendimentos, como a Unidade de Tratamento de Gás, em Caraguatatuba, a duplicação da Rodovia dos Tamoios, trecho planalto (em andamento) e serra, e os projetos das rodovias de contorno Norte e Sul.
“Os Ministérios Públicos Estadual e Federal já anunciaram que a instalação de todos os empreendimentos, como previstos, alterará as características do turismo e as áreas de preservação ambiental do Litoral Norte. Aonde serão alocadas as pessoas que migrarem para a região? De onde será retirada água para nova demanda de abastecimento? Como será a coleta e tratamento de esgoto e de resíduos sólidos? Enfim, qual é o planejamento urbano previsto para acompanhar este crescimento”, Iara questiona.
Ela também frisa que o crescimento populacional e a industrialização são diretamente proporcionais ao aumento do consumo de água e à produção de esgoto sanitário, acentuados ainda pelo turismo e pela intensa migração à região. “Essa migração é ditada por expectativas de empregos e qualidade de vida, e está relacionada ao aumento das ocupações irregulares, que é um problema constante e crescente no Litoral Norte”, acentua. “A ocupação irregular de áreas de risco, de preservação permanente (APP) e de unidades de conservação compromete a qualidade das águas, a qual tende a se agravar com a manutenção deste cenário, comprometendo até a qualidade das praias”.
Conforme a oceanóloga, essas pressões alteram o estado (qualidade e quantidade) dos recursos hídricos na região. “O Litoral Norte consome volumes de água cada vez maiores, devido ao aumento do número de pessoas e da urbanização. Esta situação somada à concretização dos grandes empreendimentos e suas ampliações trará impactos negativos para o Litoral Norte, como risco de aumento de doenças de veiculação hídrica, de favelização, de desmatamento e de falta de água”, Iara também destaca.
Urgência
O Relatório de Situação demonstra este aumento da população, incluindo núcleos de ocupação irregular onde não há possibilidade legal de viabilizar água tratada e equipamentos sanitários. “Além do problema social, a manutenção destes núcleos gera impacto ambiental porque seus esgotos seguem bruto para os cursos hídricos. Este é um problema real para o Litoral Norte e desafia a gestão, pois a qualidade das águas continentais está caindo. Este quadro exige investimentos significativos para que exista algum controle sobre a problemática”.
Conforme o Relatório de Situação, a estimativa é de que o Litoral Norte receba 313,3 mil turistas e veranistas por ano, que possuem segunda moradia ou se dirigem ao Litoral Norte em finais de semana ou feriados. Somadas à população residente, em torno de 300 mil pessoas, teríamos 600 mil pessoas na região anualmente. Durante réveillon e carnaval o número de visitantes mais que duplica, totalizando 649,6 mil pessoas. Iara observa que somando-se a população residente, flutuante e os leitos de hotéis, o resultado gira em torno de 660 mil pessoas. “Isso quer dizer que entre o final e o início de ano, o contingente de pessoas fica na ordem de 1 milhão, em todo Litoral Norte”.
Iara frisa que os números implicam abastecimento de água insuficiente, assim como tratamento de esgoto deficitário. “Apenas 30% do esgoto da população residente é tratado (300 mil pessoas na região). Apesar dos grandes investimentos da Sabesp e do próprio CBH-LN, a situação está muito aquém do necessário, principalmente, em época de pico”.
Esgoto, córregos e praias
A oceanóloga afirma que grande parte dos esgotos in natura aporta nos cursos d’água, com destino às praias, o que resulta em impacto ambiental, turístico e de saúde pública. O Relatório de Situação apresenta mapa de disponibilidade e demanda de recursos hídricos na região. Quando o volume de utilização de água em uma bacia hidrográfica ultrapassa 50% de sua capacidade mínima, esta bacia é considerada crítica, sendo necessária avaliação do CBH-LN para novas demandas de água. Bacias do Rio Escuro, em Ubatuba, e Córrego Paquera/Cego, em Ilhabela, estão no limite, com 40% de utilização. A Bacia do Rio São Francisco, em São Sebastião, está entre 50 a 80%, a situação mais crítica da região. Conforme Iara, apesar de o Litoral Norte apresentar água em abundância, esta não ocorre de maneira uniforme, devido à fisiografia local. Em mapa sobre a qualidade de águas, constam 30 pontos de monitoramento da Cetesb em cursos de água doce. A classificação boa predominou em 2012, mas não houve nenhum ponto classificado como ótimo. “Apresentam estados alarmantes o Rio Acaraú, em Ubatuba, que corta o bairro Itaguá, e o Rio Lagoa, em Caraguatatuba, classificados como ruim, piorando anualmente. A Vala de escoamento da Praia da Baleia e o Rio Quilombo em Ilhabela classificados como regular também clamam por intervenções. “Estes rios precisam de ações para recuperação de sua qualidade, sob pena de comprometerem as praias onde deságuam”, Iara afirma.
Participação
da sociedade
O Relatório de Situação dos Recursos Hídricos é a base do diagnóstico do Plano de Bacias Hidrográficas do Litoral Norte, que será atualizado neste ano de 2014. Iara também acentua a importância da participação da sociedade neste processo de atualização, uma vez que os moradores podem enriquecer este documento com seus conhecimentos e testemunhos. “O Relatório de Situação apresenta dados sobre volume e qualidade das águas da região, comentados técnica e empiricamente”, Iara cita. “Para elaboração de um Plano de Bacias realista e eficaz, é necessária articulação, participação e pactuações entre os diversos setores: privados, públicos e da sociedade e civil. Revisando o Plano de Bacias estaremos atualizando estratégias e ações para gerir os impactos negativos e as tendências da região”, ela finaliza. A íntegra do Relatório de Situação dos Recursos Hídricos do Litoral Norte encontra-se disponível emwww.cbhln.com.br.