Dado faz parte de pesquisa inédita sobre a gestão fiscal municipal, de 2006 a 2010
RIO, IBIÚNA e CUIABÁ – Um quinto das cidades do país não consegue lidar com suas dívidas. São 1.029 prefeituras que viraram o ano de 2010 para 2011 no vermelho, pois tinham mais restos a pagar — dívidas do ano anterior — do que dinheiro em caixa. O dado consta de um estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Foram analisadas contas de 5.266 cidades de 2006 a 2010 para criar um Índice de Gestão Fiscal, que mede a qualidade das administrações municipais em quesitos como gasto com pessoal, capacidade de gerar receita própria e de realizar investimentos.
Esta situação crítica não é exclusiva de municípios pobres e pequenos. Duas capitais, Salvador e Cuiabá, fazem parte da lista negativa e levaram zero neste quesito da pesquisa por terem começado o ano com mais débitos do que arrecadação.
No estudo da Firjan, foram identificadas, além das 1.029 cidades (20% do total) que chegavam a ter mais restos a pagar do que receita no ano seguinte, outras 1.265 (24% do total) que também foram consideradas em situação difícil ou crítica neste quesito. Nessas, as dívidas de anos anteriores comprometiam 40% ou mais da receita.
Fazem parte deste grupo as capitais João Pessoa, Campo Grande, Belo Horizonte, Natal e São Luís.
Na capital baiana, as contas da prefeitura foram reprovadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia em 2009 e 2010 e os restos a pagar de 2010 chegaram a R$ 501 milhões, segundo a Secretaria Municipal de Fazenda. O atual secretário, Joaquim Bahia, diz que, ao assumir o cargo em janeiro de 2011, encontrou desequilíbrios financeiros que vinham desde 2009.
-— A prefeitura gastava mais do que arrecadava com pessoal e custeio. Controlamos esse custeio e contingenciamos o orçamento municipal em R$ 600 milhões. Além disso, crescemos a arrecadação sem aumentar imposto. Fizemos um programa de recuperação fiscal para pessoas físicas e jurídicas que estavam devendo e anistiamos multas e juros para os pagamentos à vista. Esse programa nos deu uma receita adicional, em 2011, de R$ 105 milhões —- diz Joaquim Bahia.
Incompetência fiscal prejudica serviço
O resultado foi que, em 2011, a prefeitura zerou quase a totalidade dos restos a pagar de 2010 (o que não foi pago, segundo a secretaria, foi devido a problemas de pendência de documentação de empresas) e ainda teve crescimento de receita de 20%, com a despesa crescendo 8%. O secretário de Salvador admite, porém, que a capacidade municipal de investimento ainda é muito baixa:
— Priorizamos o tratamento dos restos a pagar. Em 2011, o percentual de investimento foi de apenas 2,8%. Em 2012, estamos dobrando esse percentual, mas, mesmo assim, precisaríamos de mais. Essa capacidade de investimento faz falta, por exemplo, na infraestrutura do transporte da cidade, que ainda não tem metrô.
Em Cuiabá, o comprometimento financeiro da prefeitura afeta a qualidade dos serviços, e o exemplo mais claro disso está na saúde. A cidade está entre as dez piores capitais brasileiras no Índice de Desempenho do SUS, divulgado em fevereiro pelo Ministério da Saúde.
O último hospital especializado em urgência e emergência construído pela prefeitura é do início da década de 80, quando a cidade tinha cerca de 200 mil habitantes. Hoje são 550 mil.
A consequência são filas enormes tanto para cirurgias quanto para consultas. Situação que impõe uma peregrinação aos pacientes pobres. Na última quarta-feira, a aposentada Amélia Maldonado, de 81 anos, precisou acordar de madrugada para tentar uma simples consulta na policlínica do bairro Verdão. Hipertensa e com dificuldade nos movimentos, ela passou mal e precisou ser levada por parentes à policlínica. Mas, naquele dia, havia apenas um clínico geral para atender mais de 100 pessoas.
-—Já estamos aqui há duas horas e ela nem passou pela pré-consulta — reclamou a neta Elisângela de Souza Costa, de 36 anos.
Procurada pelo GLOBO desde terça-feira passada, a prefeitura de Cuiabá não atendeu aos pedidos de entrevista.
Outra cidade que está na lista das que possuem mais restos a pagar do que receita é Ibiúna, município de 71,2 mil habitantes a 70 km de São Paulo. A prefeitura de Ibiúna terminou 2010 com o cofre vazio, sem dinheiro para pagar fornecedores. Na linguagem econômica, zero de liquidez. Isso sem contar a dívida de longo prazo.
Os números do período de janeiro a agosto de 2011, levados à Câmara Municipal, retratam a situação. A Prefeitura arrecadou R$ 68,5 milhões, mas as despesas alcançaram R$ 81,9 milhões, gerando um déficit de R$ 15,3 milhões. Além das dívidas com o não pagamento do INSS, que somaram R$ 13,3 milhões apenas entre janeiro de 2010 e agosto de 2011.
Isso se traduz em dificuldade para levar adiante projetos importantes, como a expansão da rede escolar. Na frente da pequena escola Helena Soares Rosa, no bairro Curral, o mato cresce. Erguida com apenas duas classes, ela foi fechada, assim como outras 18 miniescolas construídas entre 2000 e 2008. O projeto foi considerado inviável na gestão do prefeito Koiti Muramatsu, que assumiu em 2009, por multiplicar a estrutura administrativa, aumentando gasto com pessoal. Agora, a prefeitura investe na construção de prédios maiores, para abrigar pelo menos 500 alunos, a serem administradas pelo governo do estado.
Paulo Niyama, secretário de governo da Prefeitura, diz que a dívida da Prefeitura chegava a R$ 35 milhões quando a atual gestão assumiu.
— A herança era de descaso administrativo. Contratos, documentos e processos não eram encontrados. Só descobríamos que a dívida existia quando chegava a notificação — diz.
Fonte: O Globo
Anatomia da gestão fiscal dos municípios brasileiros
Consulte o Índice Firjan de Gestão Fiscal