Família de policial militar morto pede justiça e alega demora em atendimento
Prefeitura de Caraguá colheu amostras de sangue e investiga se morte foi por H1N1
Acácio Gomes
A manifestação ocorrida na noite de ontem em Caraguatatuba foi marcada por uma homenagem feita ao policial militar Eraldo Renato dos Santos, 44 anos, falecido na última sexta-feira, com suspeita de ter contraído H1N1. O ato silencioso, que contou com muitos amigos e familiares do soldado, foi realizado em função da demora e a falta de atendimento recebido nas unidades hospitalares do município.
Segundo familiares, em 5 de julho, o soldado começou a sentir sintomas de fortes dores de cabeça e no corpo. “Ele passou várias vezes em atendimento na UPA de Caraguá e todas às vezes que foi atendido pediram a ele exames de sangue. Tomava soro, inalação e mandavam ele de volta pra casa, sem nenhum resultado”, disse o irmão Ernesto Santos.
Em 11 de julho, segundo Ernesto, ele sentiu fortes dores abdominais em sua residência, sendo levado a UPA por um amigo e sua esposa. “Ele ficou numa sala tomando soro e inalação. Ficou em observação e mais tarde foi encaminhado a sala de isolamento. Às 21h fui visitá-lo e por volta das 21h45 se queixava de muita falta de ar, tanto que falava com dificuldade. Ele sentia dores e muito medo. Foi então que a enfermeira que o atendia pediu para que eu fosse breve, pois ela iria prepará-lo para um procedimento médico. Peguei na sua mão, abracei-o e tentei confortá-lo dizendo que tudo iria ficar bem. No momento em que eu saí e a enfermeira entrou para iniciar o procedimento ele ficou nervoso e teve uma parada respiratória, talvez devido a falta de ar e o possível procedimento usado”, relata.
Segundo ele, o que chamou a atenção quando da parada respiratória foi o despreparo de alguns profissionais. “A partir daí foi uma correria só, era enfermeira e auxiliares de enfermeira pra lá e pra cá dando trombadas, empurrando equipamentos, sem saber qual devia ser usado e onde ligá-los, até que apareceu um médico e tomou o controle da situação, reanimando-o e entubando-o. Foi neste momento que ele apresentou os primeiros sinais de sangramento e percebi que meu irmão já corria risco de morte, depois vieram mais dois enfermeiros. As ajudantes pareciam que nunca tinham trabalhado num Pronto-Socorro ou Hospital, mostrando total despreparo. Na unidade da UPA faltou até tomada para que os equipamentos fossem ligados”.
Transferência
Logo depois, conforme relato do irmão da vítima, o médico relatou que o policial corria risco de morte, estando com os dois pulmões comprometidos e só podendo ter chances de sobrevivência se fosse removido para outro lugar imediatamente e com melhores recursos.
“Por volta das 23h30 o meu irmão Olavo perguntou ao médico se havia a possibilidade de transferência. Ele respondeu que sim, mas se conseguíssemos uma UTI Móvel e com médico experiente neste tipo de transferência de paciente, uma enfermeira acompanhando e também uma vaga em outro hospital. Fomos informados pela enfermeira que havia uma ambulância UTI no local, da empresa Litoralmed, conveniada com a Prefeitura, só que não havia médico. Saímos dali e fomos ao Batalhão da Polícia Militar onde fomos atendidos pelo comandante do dia, que conseguiu uma vaga no Hospital da Polícia Militar em São Paulo, porém já passava da meia noite”, ressalta.
Após isso, o irmão do soldado contou ter feito contato com o secretário de Saúde de Caraguá, Sérgio Luiz Pinto Ferreira. “Falamos com o secretário da Saúde por telefone para ver se conseguíamos um médico, sem êxito. Ele nos disse que só iríamos conseguir a transferência às 8h da manhã de sexta-feira (12/7), pois ele havia entrado em contato com o coordenador do UPA, o qual passou esta informação. Nesse meio tempo, foi conseguido um médico da Polícia Militar de São José dos Campos. Ao mesmo tempo, fomos informados pela Litoralmed que não precisaríamos mais do médico de São José dos Campos, pois eles tinham um médico para acompanhar na transferência. Passado uma hora, fomos informados novamente pela própria Litoralmed que não havia mais o médico. Ficamos chocados com a situação, o tempo ia passando, meu irmão piorando e nada de resolverem. Entramos em contato novamente com a Litoralmed e a Polícia e não conseguimos nada, fomos informados por um funcionário da empresa que ele não conseguiu entrar em contato com os médicos que deveriam estar de plantão. Pedimos a ele o endereço de algum deles e isto nos foi negado”, esclarece.
Peregrinação
Após essa maratona de tentativas, por volta das 2h30 de sexta um dos médicos de São José dos Campos atendeu a família chegando em Caraguá por volta das 4h50.
“Começou então os procedimentos para a remoção. Após quase tudo pronto, o médico que fez a remoção pede o prontuário médico do paciente e adivinhem. Lá dentro da UPA sumiu o prontuário, ninguém sabia onde tinha enfiado, só depois de muita procura foram descobrir que estava no laboratório da unidade, já passados uns 20 minutos. Por fim, saímos de Caraguá as 6h10 com destino a São Paulo, no Hospital Militar, com ele em estado grave. Mesmo assim eu estava um pouco mais aliviado, pois eu acreditei que chegaríamos e reverteríamos a situação, mas no caminho meu irmão se complicou e teve uma parada cardíaca bem na Rodovia Ayrton Senna nas proximidades de Itaquaquecetuba. A enfermeira que o acompanhava juntamente com o médico pediram para que o motorista da ambulância encostasse no primeiro Pronto-Socorro que achasse, sendo levado ao Hospital Central de Itaquaquecetuba onde foi constatado o óbito”.
Ainda abalada com a notícia, Maria Izilene Diogo dos Santos, esposa de Renato, disse não se conformar com o documento que atestou a morte de seu marido. “Colocaram no papel morte indefinida. É revoltante”.
Segundo a família, a demora na remoção foi fundamental para a morte do policial militar. “Foi muita negligência, já que o estado de saúde dele era grave”, comentou Maria Izilene.
O irmão, Ernesto Santos, clama por Justiça, afinal entende que houve uma sucessão de erros. “Ele poderia ter sido atendido na Santa Casa se não tivesse todo esse problema entre Prefeitura e Casa de Saúde. Fizemos boletim de ocorrência e queremos explicações”.
O soldado Eraldo Renato dos Santos deixou sua esposa Maria Izilene Diogo dos Santos, 32 anos, além de quatro filhos.
Outro lado
O secretário de Saúde de Caraguá, Sérgio Luiz Pinto Ferreira, disse que todos os procedimentos clínicos foram feitos ao paciente, mas que em função da gravidade a remoção era necessária.
“O paciente deu entrada em uma sala de emergência em Itaquaquecetuba, mas de fato veio a falecer no caminho. Nós acionamos a ambulância, mas tivemos o problema na paralisação da Tamoios e não conseguimos a transferência, somente após a liberação da pista. Tudo o que estava ao nosso alcance fizemos. Seria antiético afirmar que ele não teria falecido pois não tinha leito hospitalar”, esclareceu.
Sobre a suspeita da morte por H1N1, a Prefeitura de Caraguatatuba emitiu nota informando que a morte do policial está sob averiguação. “Amostras de sangue foram coletadas e encaminhadas para o Instituto Adolfo Lutz para análise. Após os resultados, será possível afirmar se o paciente faleceu vítima da doença”.
Foto: Divulgação