
Theresa May não tem filhos. Entre todas as características dela, Andrea Leadsom, até ontem rival de May na disputa pela liderança do Partido Conservador, foi escolher logo a maternidade para criticá-la de forma velada. Em entrevista ao jornal The Times, Leadsom afirmou que ser mãe lhe dava uma vantagem sobre May. Pegou tão mal que ela depois pediu desculpas e teve de renunciar à candidatura.
Com a renúncia de David Cameron, May assumirá amanhã, aos 59 anos, o posto deixado por Margaret Thatcher há 26. Terá diante de si o maior desafio já enfrentado por um premiê na história recente do Reino Unido: costurar o acordo para pôr em prática o Brexit, a saída da União Europeia (UE).
A comparação com Thatcher surge em todas as conversas e reportagens sobre a nova premiê. O paralelo já rendeu a May o apelido de “nova Dama de Ferro”. Há mais em comum com Thatcher que serem ambas mulheres conservadoras – e diferenças bem mais relevantes que uma ter sido mãe (Thatcher) e outra não (May).
Quem conhece a sociedade britânica sabe que, como Thatcher, May é uma forasteira na elite conservadora. Não faz parte do clube de meninos que reúne Cameron, Boris Johnson, George Osborne ou Michael Gove – filhos da elite que seguem a mesma trajetória: de Eton/Harrow para Cambridge/Oxford; dali para a política.
Como Thatcher, May vem da classe média. Thatcher era uma filha de farmacêutico que se tornou brilhante estudante de química. May é filha de um pastor anglicano do interior, estudou em escola pública e chegou a Oxford por méritos. Um forte senso moral, uma noção rígida de certo e errado, guiou ambas. Característica que distingue May daqueles que se curvam por interesses ou oportunismo – como Boris Johnson, que aderiu tardiamente à causa do Brexit. Chamam a atenção na declaração de imposto de renda de May suas doações para instituições de caridade.
A principal diferença entre May e Thatcher está em como esse senso moral se traduz na visão da economia. Thatcher foi uma paladina do livre mercado. May ataca os banqueiros, quer impôr limites à remuneração de executivos e adota um discurso de ajuda aos excluídos pela globalização. Ela é produto não do capitalismo sem amarras de Thatcher, mas da era da responsabilidade social das empresas.
Mais longeva ministra do Interior, May sempre teve uma postura dura em relação à imigração, enfrentou protestos violentos nas ruas, combateu a corrupção na polícia e se recusou a extraditar um hacker por causa de problemas de saúde. Centralizadora, exige lealdade de quem trabalha para ela e, mais que uma articuladora, costuma se ocupar da gestão miúda. Foi descrita pelo ex-ministro de Thatcher Kenneth Clarke como uma “p… mulher difícil”.
Caberá a essa “mulher difícil”, que apoiou a permanência na UE, negociar os termos de saída do Reino Unido. Ela já declarou que levará adiante o Brexit, embora só pretenda invocar o artigo 50, que prevê a saída dos países-membros, quando tiver um plano concreto. Disse que não transigirá no controle da imigração, ainda que isso possa cobrar um preço no acesso aos mercados. Como o Brexit prometeu ambos – algo impossível de entregar – ela tem diante de si um problema equivalente à quadratura do círculo.
Unir o Partido Conservador depois do racha do Brexit talvez seja um desafio ainda mais difícil. Os Tories encolheram nos últimos anos de 400 mil para 150 mil integrantes, sobretudo por causa da dificuldade de entender o sentimento isolacionista que movia os britânicos. “Partidários amargamente decepcionados, que fizeram uma campanha bem-sucedida pelo Brexit, agora temem que a ala contrária tenha conseguido transformar a derrota em vitória – e se unirão ao Partido da Independência do Reino Unido (Ukip)”, escreve Norman Tebbit noTelegraph. “Farão campanha contra May.”
A radicalização atinge também o Partido Trabalhista, onde o plebiscito abriu outra ferida. O líder Jeremy Corbyn foi desafiado por Angela Eagle, como resultado de sua postura ambígua na defesa da posição do partido contrária ao Brexit. A disputa entre os trabalhistas ainda está longe da solução. Como primeira-ministra, May terá de enfrentar um quadro político absolutamente novo, dentro e fora de seu partido.
Ela tem, de modo resumido, três desafios: 1) unir o governo e seu partido; 2) tirar o país da UE; 3) reerguer a economia em queda, consequência imediata da decisão tomada no plebiscito. “Na realidade, o primeiro desafio é impossível a não ser que haja clareza sobre o segundo – e que ele seja entregue”, diz o político conservador Iain Duncan Smith também noTelegraph. Sem termos claros para saída da UE, ela nada conseguirá.
Quando Thatcher assumiu o Partido Conservador no final dos anos 1970, os ventos eram favoráveis a suas ideias. Não se pode dizer o mesmo de May. Até porque, como resultado de sua discrição ou sagacidade política, as ideias dela sobre sua missão mais importante – o Brexit – ainda não estão claras.