MPF quer que concessão da Ilha do Tamanduá seja repassada ao município de Caraguatatuba ou à Fundação Florestal; a Belomar Incorporadora que alega possuir a concessão estaria enfrentando dificuldades para comprovar documentalmente a posse da ilha
Por Salim Burihan
A concessão da Ilha do Tamanduá, em Caraguatatuba, no litoral norte paulista, poderá ser transferida ao Município de Caraguatatuba ou à Fundação Florestal. Essa discussão vem ocorrendo desde de o ano passado envolvendo o Ministério Público Federal, o SPU(Serviço de Patrimônio da União) e a Fundação Florestal.
A Ilha do Tamanduá tem 111 hectares e é a maior ilha de Caraguatatuba. Fica a cerca de 1 quilômetro da praia da Tabatinga, na região norte da cidade. Um total de 80% de sua costa é formada por rocha e possui apenas duas praias, as praias do Norte e a do Sul. Sua superfície é composta por 90% de vegetação preservada e 10% de rocha.
Irregularidades
O MPF apura suposta irregularidades na transferência de concessão da ilha da família João Roman, que detinha a concessão da ilha desde 1985 para a Belomar Incorporadora e Imobiliária, empresa que pertence ao empresário Emídio Mendes, atualmente, radicado em Portugal. O MPF constatou junto ao SPU que a Ilha do Tamanduá possui registro patrimonial sob n° 6311 0000109-09 e o espólio de João Roman Júnior se manifestou acerca da transferência do domínio útil do imóvel à empresa Belomar Incorporadora e Imobiliária, contudo, não apresentaram escritura pública definitiva da cessão.
Uma consulta feita online nesta quinta-feira, dia 21, no SPU(Secretaria do Patrimônio a União) para obter informações sobre como anda a concessão da Ilha Tamanduá, constou que “o imóvel de RIP( Registro Imobiliário Patrimonial) nº 6311 0000109-09 se encontra bloqueado nos termos da portaria nº 259, de 10 de outubro de 2014”. O portal sugeriu que para maiores informações fosse procurada a Superintendência do SPU no estado de São Paulo. Estamos aguardando um parecer oficial da Procuradoria Geral da República sobre a suposta irregularidade na transferência da concessão da ilha do Tamanduá para a Belomar Incorporadora.
Um estudo feito pelo MPF constatou que o antigo gestor da Ilha do Tamanduá não respondeu às notificações expedidas pela SPU, o órgão patrimonial participaram que RIP nº 6311 0000109- 09 seria cancelado e indicou a possibilidade da utilização do imóvel e sua transferência ao Município de Caraguatatuba ou à Fundação Florestal.
A suposta irregularidade documental no domínio do imóvel, poderá cancelar a concessão da ilha à Belomar Incorporadora e Imobiliária. Desde o ano passado, várias reuniões foram realizadas envolvendo o MPF, SPU, Fundação Florestal e Município de Caraguatatuba para se elaborar uma proposta de projeto de ordenamento e gestão da Ilha do Tamanduá.
Acontece que através de vistoria realizada em março do ano passado pela SPU na Ilha do Tamanduá, foi constatada a presença de uma família de pescadores que se reconhecem como moradores tradicionais e se autoidentificam “caiçaras”.
Diante da constatação da SPU, a Procuradoria da República realizou vistoria in loco, na Ilha do Tamanduá, para verificar as questões patrimoniais e ambientais, bem como iniciar um diálogo do MPF junto aos caiçaras que ocupam imóveis nas duas praias. A vistoria teve auxílio pericial antropológico, que elaborará um laudo pericial para trazer maiores elementos sobre a ancestralidade e tradicionalidade da ocupação na Ilha do Tamanduá.
Na oportunidade, identificou-se que os ocupantes da ilha vivem da pesca e do turismo mas, segundo eles, a Prefeitura de Caraguatatuba exige que todos os insumos tenham nota fiscal, não podendo utilizar os peixes frescos que pescam para a venda e consumo dos turistas que se dirigem ao quiosque da família.
No último dia 15 de março, a procuradora da República, Walquiria Imamura Picoli, decidiu aguardar a perícia antropológica para a continuidade das tratativas referentes ao ordenamento e gestão da Ilha do Tamanduá. O órgão decidiu ainda, prorrogar por um ano o inquérito civil que apura o domínio da ilha e solicitou informações à prefeitura sobre a suposta exigência de nota fiscal de pescados vendidos e serviços em quiosques, mesmo quando seus proprietários são pescadores artesanais caiçaras, que desejam vender os peixes advindos da sua atividade aos turistas que consomem em seus estabelecimentos familiares.
Justiça
Ontem, quarta-feira(20), o juiz Ayrton Vidolin Marques Junior, da 1ª Vara de Caraguatatuba, revogou parte de uma liminar concedida no último dia 15 de março, à Belomar Incorporadora e Imobiliária, que retirava famílias caiçaras que vivem desde a década de 60 na Ilha do Tamanduá, a maior ilha de Caraguatatuba. Em sua decisão de quarta-feira, dia 20, o juiz manteve as famílias na ilha.
A concessão da Ilha do Tamanduá pertencia desde 1985 a família de João Roman Junior e posteriormente foi repassada à Belomar Incorporadora e Imobiliária. No dia 12 de março deste ano, a Belomar entrou com uma ação na justiça para que as famílias caiçaras desocupassem os imóveis e a ilha. No dia 15 de março, a justiça concedeu liminar a favor da empresa e obrigando os caiçaras a deixarem a ilha.
Quando os oficiais de justiça estiveram na ilha, o caiçara Luiz de Oliveira, de 56 anos, pescador e nativo da Ilha do Tamanduá, decidiu procurar o advogado Felipe Alves para tentar manter a sua família na ilha. A família vive na Praia do Sul e vive da pesca. Os pais de Luiz, seu Francisco Jorge de Oliveira e dona Alzira Costa, construíram a primeira casa na ilha na década de 60, justamente, na praia do Sul, onde viviam da pesca.
Seu Francisco construiu uma casa de pau a pique, com requintes de modernidade, pois usou materiais que conseguiu no continente como cimento e madeiras. Nas proximidades da casa foram plantadas árvores frutíferas, cana-de-açúcar e uma pequena horta. Com o passar dos anos e a família aumentando, uma segunda casa foi construída. Do casal Oliveira 12 filhos foram gerados.
Considerando as dificuldades de locomoção diária para o continente, para que as crianças frequentassem a escola e os adultos buscassem abastecimento, transporte de pescador, a manutenção da saúde etc, parte da família mudou-se para o continente acomodando-se numa moradia na praia da Tabatinga.
Luiz de Oliveira através de seu advogado Felipe Rodrigues Alves, no dia 18 de março, entrou com um pedido para que o juiz Ayrton Viladoin suspendesse a liminar concedida à Belomar e mantivesse sua família na ilha. O advogado Felipe Rodrigues Alves alertou o juiz que os caiçaras, assim como indígenas e quilombolas, são reconhecidos pelo decreto 6040, de 2007, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como povos de comunidades tradicionais. Alves anexou depoimentos e testemunhos importantes que confirmam a presença dos caiçaras na ilha desde a década de 60. O advogado também contratou laudo de profissionais para comprovar que os imóveis ocupados pelos caiçaras existem há muitos anos na ilha.
Belomar Incorporadora
A Belomar Incorporadora e Imobiliária pertence ao empresário santista Emídio Mendes. O empresário também é dono da Pedreira Massaguaçu, em Caraguatatuba. O NP entrou em contato com a empresa e foi informada de que o empresário Emídio Mendes e seu filho, André, vivem atualmente em Portugal. A empresa informou que a advogada do grupo, Cristiane Freire, deverá repassar todas as informações referentes à Ilha do Tamanduá.
A advogada Cristiane estaria nesta quinta-feira(21), em São José dos Campos, tratando de questões ligadas a empresa. A decisão do juiz Ayrton Vidolin Marques Junior, da 1ª Vara de Caraguatatuba, proferida ontem, quarta-feira, dia 20, mantendo as famílias caiçaras na ilha cabe recursos(agravos) no Tribunal de Justiça. Assim que conseguirmos uma manifestação oficial da Belomar iremos anexar ao texto original desta reportagem.