Irmãs Giovana e Salomé na casa do Instituto das Pequenas Missionárias, atrás do Stella Maris
Acácio Gomes
Dez dias após a intervenção administrativa na Casa de Saúde Stella Maris, as irmãs do Instituto das Pequenas Missionárias romperam o silêncio e falaram sobre a saída da unidade hospitalar, local que comandavam há 61 anos.
A intervenção veio em meio a data comemorativa dos 68 anos de atuação do Instituto na cidade (29/07/1975), ou seja, antes mesmo de assumirem a administração do Stella Maris.
As irmãs Nadir Abreu (Giovana), Lúcia Maria e Maria Salomão atenderam a reportagem do Imprensa Livre na clausura, local onde vivem atualmente oito irmãs e que está localizado nos fundos do Stella Maris. Elas fizeram a questão de comentar o processo de intervenção feito pela Prefeitura de Caraguá.
“Com a intervenção, a população ficou prejudicada não só com o trabalho das irmãs (administrativamente falando), mas também a parte espiritual. Eu sinto na alma essa falta. Em casos graves, por exemplo, a Irmã Salomé rezava pelos enfermos e pedia aos pacientes para perdoar e se perdoar. Hoje, somos proibidas de fazer isso e a Irmã Salomé está de partida para São José dos Campos, pois não pode fazer mais seu trabalho. A população foi privada desse apoio espiritual”, disse Irmã Giovana.
Ela confirmou ainda que nenhum contato é feito com os funcionários do Stella Maris, por determinação da atual intervenção. “Passamos a ser vigiadas. É triste, é humilhante ver tudo erguido depois de tanto sofrimento e terminar assim. Além da parte administrativa, cuidávamos do acolhimento espiritual e isso que mais estamos sentindo”, disse.
Sobre o silêncio durante todo o processo de negociação com a Prefeitura, as irmãs revelaram que não era a intenção do Instituto das Pequenas Missionárias entrar no embate.
“Focamos na discussão do problema. Isso foi confundido com silêncio, parecendo que a administração municipal falava e nós não nos deixávamos ser ouvidas. Em nenhum momento houve uma mesa redonda. Houve momentos de discussão. Mesa redonda não tem ponta. Toda vez que se sentava para discutir, a Prefeitura se colocava em uma das pontas para comandar as ações”, comentou Irmã Giovana.
Ela garantiu que nos últimos dias, antes do processo de intervenção, foram feitas tentativas de acordo e entendimento.
“Este local é do Instituto, o Hospital é do Instituto, o atendimento era nosso. Acontece que a saúde é plena, dever de todos. Saúde plena é de responsabilidade dos governos e governantes e nós vamos cuidar dos doentes, pois somos prestadoras de serviços. Mas precisávamos de condições. Em momento algum quisemos lesar alguém, mas também não queremos ser lesadas, queremos ser respeitadas. 61 anos não são 61 meses”, enfatizou.
Falta de acordo
Falando especificamente de todo o processo que gerou o impasse entre a Prefeitura e a antiga direção da Casa de Saúde Stella Maris, a Irmã Lúcia Maria destacou que garantias não foram dadas nos repasses prometidos. E sugeriu que todo o processo de intervenção no local estava acordado entre Estado e Prefeitura.
“Sobrevivemos a uma catástrofe, em 1967. Temos raízes neste lugar, mas não sobrevivemos a uma vontade política de tomar o local, que vem sendo articulada há cinco anos. O Estado, lá em abril, prometeu num acordo que mandaria R$ 1,1 milhão ao Stella Maris, mas não fez o repasse e o Hospital continuou funcionando. Na última negociação no Fórum, falou-se em gestão compartilhada. A irmã negou, pois tínhamos que conversar. Foi o que fizemos e depois de consultar todas, a madre e o jurídico entendemos que poderíamos aceitar a gestão compartilhada por três meses, como propôs a Prefeitura. Mas a partir daí, ninguém nos atendeu mais”.
Porém, a falta de garantia de cumprimento de promessas deixou o Instituto das Pequenas Missionárias receoso com um possível acordo, confessou Irmã Lúcia Maria.
“Perguntamos se teríamos a garantia de receber os R$ 718 mil prometidos pelo Estado, já que o R$ 1,1 milhão prometidos em abril não foi cumprido. É de se estranhar que após a intervenção o Estado veio aqui para tratar do repasse. Se fosse para o Instituto esse dinheiro viria?”, questiona.
Recados
Questionadas sobre como se sentem perante a sociedade caraguatatubense, as irmãs foram enfáticas em dizer que o dever foi cumprido e que a batalha jurídica só começou.
“Ouvi dizer por aí que as irmãs foram fracas e não lutaram para ficar no local. Não! Era uma vontade do prefeito há cinco anos. A população perdeu muito em deixar isso acontecer, pois entendo que a população tem força. Hoje a população pode achar que é bem atendida e esquecer. Sobre a ideia da desapropriação, não aceitamos”, disse Irmã Giovana.
Já Irmã Lúcia Maria foi além. “Não fomos nós que paramos o atendimento, foram os médicos. Hospital sem médico não funciona e eles tinham esse direito, pois não receberam. A população tem memória curta e essa é a intenção política. Daqui 15 dias muitas pessoas que nasceram no Hospital, fizeram parto, esquecerão isso. Isso dá uma sensação de inutilidade, não para Deus, mas para os homens”.
E para finalizar, questionamos as irmãs se uma reviravolta jurídica ocorresse e as colocando novamente na administração do Stella Maris, elas responderam: “Sim, voltaríamos a administrar sim, amanhã, hoje, quando quiserem. É a nossa vocação”, finalizam.
Prefeitura afirma não proibir acesso de irmãs ao Hospital
Sobre as declarações feitas pelas irmãs do Instituto das Pequenas Missionárias, a Secretaria de Saúde informa que as afirmações das irmãs sobre o acesso à Casa de Saúde Stella Maris não procedem. Já a secretaria de Assuntos Jurídicos informa que nenhuma das informações fornecidas pela Irmandade corresponde com a realidade.
“Todos os argumentos possíveis foram apresentados, estudados e debatidos perante o Juiz da 2ª Vara Cível de Caraguatatuba em duas Audiências de tentativa de conciliação, que aliás, duraram cerca de 4 horas cada uma (09/05/2013 e 12/06/13), Câmara de Vereadores (reunião pública) e em pelo menos mais 8 reuniões realizadas no prédio da instituição e da Prefeitura, o que demonstra que os envolvidos tiveram pelo menos 6 meses para debater internamente a possibilidade de acatar a oferta municipal”, cita em nota a Prefeitura.
Segundo a Secretaria de Assuntos Jurídicos, “em todas as oportunidades foi proposta a “gestão compartilhada”, tendo sido negada veementemente pelos prepostos do Instituto que administra o Hospital (Pequenas Missionárias). Os advogados da Santa Casa apenas manifestaram interesse nesta gestão no dia 16/07/13, ou seja, um dia após a Prefeitura ter entrado com o pedido de autorização judicial para efetivação da Intervenção e sem delimitar em quais termos se daria”.
Números
Ainda de acordo com a Secretaria de Assuntos Jurídicos, “este ‘aceite’ realizado após o pedido de intervenção veio condicionado à pretensões impossíveis de serem cumpridas, que iam desde um aumento em mais R$1,1 milhão de repasse até ao pagamento de uma quantia milionária (mais de R$ 4 milhões) que a Santa Casa apurou unilateralmente com base em balanços e notas não apresentadas à Prefeitura nos últimos 6 meses e produzidos sem qualquer parâmetro ou aferição do Poder Público, o que mostrou-se totalmente inviável, já que estamos falando de aplicar recursos municipais que demandam de ampla comprovação para custeio”.
Na nota, a Prefeitura de Caraguatatuba afirmou que o ‘aceite’ mostrou-se como uma verdadeira manobra processual.
“Isso tornou a situação ainda pior, já que a demora no provimento jurisdicional aumentou o período sem médicos e ainda fez com que um “véu” de insegurança pairasse em nosso Município”.
Quanto aos valores, de acordo com a nota, a Prefeitura se comprometeu e ofertou R$ 718 mil de recursos Estaduais e mais R$ 200 mil de recursos Municipais, dobrando o valor do Pró Santa Casa naquele momento, obtendo nova negativa da Casa de Saúde Stella Maris.
“Por fim, a Prefeitura desconhece esta “promessa” do Estado, visto que o documento produzido em abril e mencionado pelas Irmãs, tratou-se de uma “carta de intenção”, na qual foi apresentado o valor de R$ 1,1 milhão como sendo a pretensão da própria Casa de Saúde e que dependeria de aprovação do Secretário Estadual de Saúde”, finaliza a Prefeitura.
Foto: Acácio Gomes/IL
Fonte Imprensa Livre