BRASIL NAS URNAS
A Copa da eleição
Aumento do desejo de mudança da população reforça a esperança de que o brasileiro compreendeu que a verdadeira disputa neste ano de Copa é a eleição
por Altamir Tojal*
O grande protesto dos brasileiros neste ano será nas urnas, em outubro. É isso que prenuncia o movimento das peças no tabuleiro da política.
Apesar da desilusão com os políticos, a sociedade está mais ligada na política. O tema está na boca do povo a toda hora e em todo lugar. O brasileiro tinha esquecido a política. Não se lembrava nem na hora de votar. Passou anos assim. Mas isso mudou de junho para cá.
A população dá sinais de que está perdendo a paciência com o governo. Isso vem sendo confirmado nas pesquisas eleitorais com o crescimento da intenção de voto nos candidatos de oposição e do indicativo do desejo de mudança.
Ao mesmo tempo, a fraca adesão às manifestações de rua contra a Copa – que supostamente amalgamariam o inconformismo na sociedade – pode indicar que a população suspeita da malversação política, nessa campanha, de suas demandas por melhores serviços públicos, por uma Justiça mais republicana, pelo combate à corrupção e por uma governança mais capaz de atender suas aspirações.
O rio que passa nunca é o mesmo. O velho Heráclito sabia das coisas há 2500 anos. E o rio que passou em junho de 2013 na política brasileira é bem diferente do que passa agora. A multidão que foi para as ruas nas “jornadas de junho” é incomparável em escala e em essência aos movimentos que estão nas ruas hoje.
Protestos vazios
Nos atos de 15 de maio – convocados como “Dia Internacional de Lutas contra a Copa” – o número de manifestantes parece ter sido menor que o número de organizações que os convocaram. O barulho maior foi da greve dos policiais militares em Recife e os protestos que reuniram mais pessoas foram de movimentos reivindicatórios que tentam potencializar sua repercussão na onda de visibilidade do campeonato mundial de futebol. É evidente que organizações políticas bem articuladas tentam misturar tudo no mesmo balaio e a cobertura da imprensa quase sempre corrobora essa confusão.
Os milhões de brasileiros que foram às ruas em junho continuam indignados com os gastos bilionários com a Copa, os serviços públicos ruins e a infraestrutura deplorável. E estão estarrecidos com os escândalos de corrupção e assustados com as ameaças na economia.
Mas essa multidão não entrou em campo até agora. Vai entrar durante a Copa? É difícil arriscar um prognóstico.
A gritaria de militantes, o quebra-quebra dos mascarados e as interrupções de avenidas e estradas com barricadas e a fumaça de pneus queimados produzem um efeito espetacular que acaba tendo destaque no noticiário. Estamos, afinal, na era da imagem e da informação fugaz.
Além das manchetes, do medo dos turistas e da irritação da população com engarrafamentos e depredações, a campanha contra a Copa do Mundo rendeu até agora desgastes aos governos de alguns estados e municípios e, principalmente, ao governo federal.
Destaca-se nesse processo o enfrentamento do Partido dos Trabalhadores e seu governo com a oposição mais à esquerda, notadamente o PSOL, com disputas nos sindicatos, na representação política e pelo controle das manifestações de rua. E pelo eleitor, é claro.
O ano das greves
O PT está pagando a fatura política da domesticação dos movimentos sociais e da transformação da militância em milícia. Ao aparelhar o Estado e suas empresas com sindicalistas e lideranças dos movimentos, o partido amplificou promessas e expectativas, muitas das quais não foram cumpridas e atendidas. Pior: os movimentos foram submetidos e aprisionados ao governo e ao Estado. Hoje, a simbiose PT-Movimentos se decompõe numa guerra para permanecer no poder, preservar cargos, empregos e privilégios, e escamotear o fracasso desse modelo.
Na rua, o PT não se arrisca a aparecer. Nos jogos da Copa, a presidente Dilma não deverá dar as caras. Nos sindicatos, o enfraquecimento da hegemonia do partido tem sido evidente desde as greves e as revoltas na Usina de Jirau e em outras grandes obras no Norte do país, em 2011 e 2012. Há vestígios dessa fraqueza mesmo em movimentos autônomos como as recentes greves dos garis e dos rodoviários no Rio de Janeiro. O ápice simbólico disso foi a comemoração do Dia do Trabalhador pela CUT, quando representantes do partido foram vaiados e impedidos de falar.
A multidão assiste este embate sem torcer por um lado nem por outro, como quem vê uma briga de vizinhos e não quer se meter na confusão. O coração do povo não é arrebatado nem pela propaganda do governo nem pela escalada de violência nos protestos. Em junho de 2013, a truculência policial empurrou a multidão para a rua. De lá para cá, a truculência de blackblocs e outros mascarados expulsou o povo das manifestações.
O aumento do desejo de mudança nas pesquisas eleitorais e a distância que a multidão mantém das manifestações violentas contra a Copa do Mundo reforçam a esperança de que o brasileiro compreendeu que a verdadeira disputa na política é a Copa da Eleição.
*O jornalista Altamir Tojar é titular do blog Este Mundo Possível, parceiro do Opinião e Notícia