Por Juliana Hasse*
Desde o marco regulatório ocorrido por meio da Lei dos Planos de Saúde n° 9.656/1998, sempre houve uma discussão quanto à classificação da listagem de coberturas obrigatórias, com um posicionamento do mercado de operadoras e seguradoras de planos de saúde, bem como da própria Agência Nacional de Saúde (ANS), além de outros órgãos. Todos eles defendem que o rol de procedimentos e eventos em saúde deve ser observado de forma mais restritiva, ou seja, taxativa, tendo em vista que sua atualização é realizada de maneira gradual e especializada através de processo envolvendo incorporação de novas tecnologias conduzido pela ANS.
Entretanto, sabemos que a ciência evolui por meio de passos que vão muito além do controle social e regulatório, com novas tecnologias e tratamentos sendo implementados em constância no âmbito nacional e internacional, refletindo assim, na saúde privada.
Além disso, grande interesse e participação da sociedade (representada em massa pelos consumidores), que entende que o rol deveria ser exemplificativo – as coberturas ali previstas seriam as mínimas – fez com que a Lei sofresse várias interpretações, principalmente perante os Tribunais do país. Sempre existiram decisões e súmulas contendo entendimento sobre o rol ser taxativo e outras que o classificam como exemplificativo.
Diante desse contexto e da própria situação econômico-financeira do segmento de saúde suplementar, em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou um entendimento que considera sua natureza em “taxatividade mitigada”, com a possibilidade de requerimento de tratamentos fora do rol apenas mediante cumprimento de alguns requisitos:
- Não tenha sido indeferida, expressamente pela ANS, a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar;
- Exista comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências;
- Se evidencie recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais e estrangeiros, tais como Conitec, CFM e NatJus.
Entretanto, a discussão social não fora esgotada com a decisão do Superior Tribunal em questão, vez que nos deparamos com inúmeros clamores para a regulamentação dessa situação por meio de legislação cabível.
Assim, em 29 de agosto de 2022, houve a aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de Lei n° 2.033/2022, sem qualquer alteração em seu texto, o qual já havia sido analisado pela Câmara dos Deputados.
Referido Projeto de Lei, que aguarda sanção presidencial, altera a Lei dos Planos de Saúde supramencionada, possuindo como redação impositiva a obrigação, pelas operadoras, de cobertura de tratamentos ou procedimentos fora do rol em questão, desde que observada a existência de comprovação de eficácia perante evidências científicas e plano terapêutico ou recomendação, pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) ou de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias de renome.
De acordo com o texto, os planos de saúde poderão ser obrigados a cobrir tratamentos de saúde que não estiverem previstos na lista do rol. Além disso, o projeto de Lei também altera a Lei 9.656/98 no sentido de determinar que o Código de Defesa do Consumidor seja aplicável a todas as operadoras (inclusive autogestão) que atuam na saúde suplementar.
O que se verifica é a positivação da jurisprudência nacional, em uma clara demonstração dos preceitos que permeiam o Estado Democrático de Direito, quando de implementação legislativa por conta da imposição de clamores sociais já vivenciados pelo Judiciário e pela sociedade. Mas não mais importante que isso, a Saúde merece que a Justiça ande de mãos dadas com o equilíbrio do Direito.
*Juliana Hasse é presidente da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da OAB SP, membro efetivo do Conselho Estadual de Saúde do Tribunal de Justiça de São Paulo, e membro efetivo da Aliança pela Saúde no Brasil, de iniciativa da Associação Médica Brasileira (AMB).